Grupos do Facebook reúnem homens interessados em meninas menores de 14 anos
Embora o documento Padrões da Comunidade do Facebook preveja normas contra o assédio, a nudez e a pornografia, as restrições não intimidam alguns dos participantes dos grupos, nem impedem conversas inapropriadas

Júlia Pulvirenti e Sthefanie Bernardes / AgênciaJ
Gabriela tem 13 anos. Ela gosta de astros do mundo da música. Lê Harry Potter, John Green e Nicholas Sparks. Gosta de ir ao shopping com as amigas, assistir a séries e usar todas as redes sociais do momento. Ultimamente, não tem se separado do celular. Seus pais, apesar de preocupados, acham um comportamento normal para uma menina de sua idade. São vigilantes quando o assunto é rede social e costumam fiscalizar tudo que é postado e conversado pela filha. Eles acreditam que isso tornará Gabriela segura. Porém, há uma semana, ela criou um outro perfil no Facebook, excluindo a possibilidade de seus familiares conseguirem enxergar sua vida online. Com a intenção de fazer uma brincadeira com as amigas, entrou em vários grupos envolvendo homens mais velhos. O que ela não esperava era a enorme quantidade de solicitações de amizade, e as conversas obscenas que estavam por vir. Em momento algum ela omitiu a idade. A história bem que poderia ser verdadeira, mas Gabriela, na verdade, é um perfil falso.
Criar um perfil falso foi a alternativa encontrada pelas repórteres para ingressar em grupos do Facebook que reúnem homens interessados em adolescentes. Inclusive, menores de 14 anos, o que, neste caso, configura crime. Entrar com os próprios perfis nos grupos revelaria a identidade das repórteres – ambas maiores -, num ambiente cujos interesses são difusos, e as consequências difíceis de serem medidas. As conversas descritas nesta reportagem são consequência da simples inscrição da falsa Gabriela nos grupos.
Em aproximadamente 10 minutos, o perfil de Gabriela contabilizou mais de 90 solicitações de amizade de homens com, em média, mais de 40 anos declarados. Teoricamente, os Padrões da Comunidade do Facebook preveem normas contra o assédio, a nudez e a pornografia: “Removemos conteúdos que ameacem ou promovam exploração ou violência sexual. Incluindo a exploração sexual de menores e o assédio sexual”, diz um trecho do documento.
Em uma simples busca no Facebook, é possível encontrar dezenas de grupos que reúnem homens mais velhos e meninas menores de idade. Com o perfil falso, a reportagem circulou por 11 grupos. Destes, os dois maiores possuíam mais de 10 mil integrantes. Em um deles, havia regras especificando a idade mínima para participar (14 anos), porém, não há uma mediação, facilitando a participação de menores de 14. Dentro destes grupos, havia postagens de homens procurando encontros, ou conversas, com meninas “novinhas” das mais diferentes idades. Essas postagens dividem espaço com fotos eróticas de meninas. Algumas alegavam ser maiores de idade, outras omitiam. Porém, a maioria delas apresentava uma aparência juvenil.
Apesar do alerta da rede social, isso parece não intimidar alguns dos participantes dos grupos nem impedir postagens inapropriadas. O abuso virtual de fato ocorre entre homens adultos e meninas menores de 14 anos de idade, o que se configura crime, de acordo com a legislação vigente. Em menos de uma semana, a menina já havia acumulado mais de 200 amigos. Nesta reportagem serão descritos alguns trechos das conversas de Gabriela.
Gabii: Tenho 13 anos e vc?
Adulto1: 45
Adulto1: Você é novinha, tem namorado?
Gabii: Não, porque?
Adulto1: Por nada
Adulto1: Me manda uma foto
Gabii: To na casa de uma amiga, pode ser quando eu chegar em casa?
Adulto1: Pode
Adulto1: Mas manda uma bem sexy
O Ministério Público lida com casos semelhantes diariamente. Segundo o promotor Júlio Almeida, situações de pedofilia não privam nenhuma classe social e não ocorrem somente com estranhos. No caso da internet, o promotor afirma que os grupos de Whatsapp e Facebook, onde muitas vezes circulam fotos impróprias de menores, acabam se tornando ferramentas que auxiliam na luta contra a pedofilia. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, reproduzir ou distribuir imagem que contenha sexo explícito ou pornografia de criança ou adolescente é crime.
O promotor ainda chama atenção para uma outra questão, a diferença entre criança e adolescente perante a lei. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança a pessoa com até 12 anos de idade incompletos, e adolescente quem tem entre 12 e 18 anos de idade. Esse ponto tem grande relevância no momento em que algumas leis se aplicam apenas para crianças, como, por exemplo, o Art. 241 do ECA: aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, a criança. Nesse caso, a lei não se aplica ao adolescente, ou seja, não se aplicaria a Gabriela. Porém, o assédio sexual é crime e está previsto no Art. 216-A do Código Penal. Tem como pena detenção, de um a dois anos, podendo ser aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 anos.
Gabii: Eu disse que tinha 14 por medo de você me achar muito nova
Gabii: tenho 13 tem problema?
Adulto2: Claro que não delícia
Adulto2: Meu sonho é uma menina de 13 anos
Adulto2: Por você sou capaz de ir aí
E a conversa continua.
Adulto2: Queria ver seus peitinhos kk
Gabii: slá
Gabii: n faria isso
Gabii: n conheço vc direito
Adulto2: Devem ser pequeninos e lindinhos…
Adulto2:Vc já mostrou eles para alguem?
Gabii: n
Gabii: vc gosta de meninas mais novinhas? tipo da minha idade
Adulto2: Gosto mais velhas depois dos 18 e da sua idade nunca sai pq pode dar problema, mas se surgir e rolar alguma coisa sem dar problema, acho que vou curtir…
Em alguns casos, o contato íntimo é consentido pelo adolescente. Porém, a lei é clara. Conforme o artigo 217-A do Código Penal, alguém com menos de 14 anos de idade não tem maturidade suficiente para consentir este tipo de proposta. Antes disso, a relação sexual, ainda que consentida, é considerada estupro a vulnerável e tem como pena de oito a 15 anos de reclusão. A psicóloga Carolina Rabechini explica que, nessa idade, o adolescente é incapaz de tomar decisões de cunho sexual e está suscetível a influência de um adulto. “Nessa etapa do desenvolvimento, os adolescentes não podem ser considerados plenamente capazes de tomar decisões, no que diz respeito a qualquer relação sexual com um adulto. Isso porque a nossa personalidade só está formada aos 18 anos”, explica.
A psicóloga afirma a influência que um adulto pode ter sobre um adolescente: “O adulto que tenta manipular sexualmente uma criança ou adolescente está utilizando de seu poder de persuasão para conseguir o que quer. Mas esse adolescente, de qualquer forma, é uma vítima e vai sofrer consequências graves em todo seu desenvolvimento por conta do abuso”. Carolina ressalta que o abuso sexual é uma das piores violências e a mais traumática. A questão da personalidade é prevista no Código Penal, como crime corrupção de menores. Conforme a legislação, induzir o menor de 14 anos a fazer qualquer ato libidinoso tem pena de dois a cinco anos de reclusão.
Gabii: Tenho 13 anos
Adulto3: Sem problemas, já fez sexo?
Gabii: Não quero falar sobre isso
Adulto3: Doeu? Foi até o fim?
Em caso de denúncias, o responsável deve procurar o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente imediatamente, de preferência portando os prints de conversas do menor com um adulto, caso o assédio ocorra na internet. Em vários casos, as conversas pela internet servem como provas em um julgamento. O DECA, quando procurado pela reportagem, não quis se manifestar sobre os casos. Em caso de denúncia, ligue 197 ou diretamente com o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente: (51) 3288-2400.
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