OPINIÃO | Arbitragem no Gauchão: um reflexo da cicatriz que une incompetência e oportunismo
Há anos, a formação de árbitros no Brasil é negligenciada, reflexo de uma estrutura frágil e amadora, que contrasta com a dimensão continental e a paixão pelo esporte

Marcelo Noronha*
A crítica à arbitragem no Campeonato Gaúcho, protagonizada por Grêmio e internacional, tornou-se um capítulo recorrente nos debates sobre o futebol do Rio Grande do Sul. Embora seja inegável a deficiência técnica de muitos árbitros, com erros crassos em lances decisivos e uma aplicação inconsistente do VAR, o discurso das diretorias dos clubes parece ecoar mais como estratégia de conveniência do que como um legítimo clamor por mudanças.
Há anos, a formação de árbitros no Brasil é negligenciada, reflexo de uma estrutura frágil e amadora, que contrasta com a dimensão continental e a paixão pelo esporte. No Gaúcho, isso se agrava: a pressão das torcidas, a polarização entre os gigantes e a falta de investimento em capacitação criam um cenário propício a polêmicas. Contudo, quando as críticas partem das próprias instituições que poderiam pressionar por transformações, é inevitável questionar: até que ponto os clubes são vítimas e até que ponto são cúmplices?
A postura de Grêmio e Inter revela uma contradição. Enquanto as diretorias usam os erros arbitrais como justificativa para as derrotas e crises esportivas, pouco fazem para engajar-se em soluções estruturais. Não há cobrança efetiva por profissionalização da arbitragem, nem projetos em conjunto com a Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para modernizar processos ou formar novos árbitros. A retórica do “roubo” ou do “prejuízo” parece servir, sobretudo, como cortina de fumaça para desviar o foco de problemas internos: gestão financeira questionável, planejamento esportivo frágil e, alguns casos, incapacidade de construir elencos competitivos.
O uso do VAR como bode expiatório é emblemático. A tecnologia, que deveria ser aliada da precisão, virou um instrumento de narrativa. Cada revisão controversa é transformada em espetáculo midiático, alimentando a ideia de que o clube é “perseguido”, uma narrativa que mobiliza torcedores e mascara falhas administrativas. Enquanto isso, questões como a falta de transparência nas contratações, a instabilidade de comissões técnicas ou a má gestão de recursos seguem em segundo plano.
Essa dinâmica perpetua um círculo vicioso. A arbitragem, de fato precária, não evolui porque não há pressão institucional para tal. Os clubes, por sua vez, mantêm-se reféns de sua própria miopia, preferindo o conforto do vitimismo ao incômodo de encarar reformas profundas. No final, quem perde é o futebol gaúcho: as discussões técnicas são soterradas por brigas estéreis, e o espetáculo esportivo se transforma em um palco de politicagens e desculpas.
Para romper esse ciclo, seria necessário mais do que discursos inflamados. Grêmio e Inter, como potências do estado, teriam de assumir protagonismo na cobrança por um sistema de arbitragem profissionalizado, com cursos avaliações contínuas e transparência nas decisões. Paralelamente, precisariam encarar suas próprias responsabilidades, transformando a gestão dos clubes em exemplos de eficiência, em vez de alimentar a cultura do “culpar o outro”. Enquanto isso não acontecer, a arbitragem seguirá como o espelho mais fiel de um futebol que insiste em não evoluir.
(*) Estudante de Jornalismo
COMENTÁRIOS