Em busca de soluções de combate às enchentes que possam ser adaptadas à realidade do Rio Grande do Sul, a missão gaúcha na Holanda já percebeu uma dificuldade em comum: a realocação de moradores. A diferença está na escala, pois, no Estado, o número de pessoas que terão que ser removidas para adotar respostas às cheias é muito maior. As informações são do Jornal do Comércio.

A comitiva gaúcha na Holanda acompanhou, neste sábado (22), dois projetos dentro do programa Room for the River. O primeiro, em Veessen-Wapenveld, é uma área destinada a ser alagada quando o nível do rio aumenta, mas que pode ser utilizada para atividades como a agricultura quando o terreno está seco. Nesse planejamento, são adotados mecanismos para desvios de água e elevações de torres de energia e de vias para circulação de veículos.

A extensão desse espaço é de aproximadamente oito quilômetros de comprimento, com larguras variando de 1,5 mil metros a 550 metros. Para realizar a iniciativa, foi necessário retirar nove empresas e cinco casas da área.

Apesar de poder ser considerado um impacto relativamente pequeno, o integrante do conselho de gerenciamento de água Vallei en Veluwe, Robbert Bruin, recorda que foi difícil negociar o deslocamento das pessoas afetadas. Ele explica:

— Foi preciso fazer um trabalho de convencimento apoiado em promessas verdadeiras e reais, sem falsas garantias.

O sistema foi construído entre 2012 e 2017, com recursos públicos, e implicou um investimento de cerca de € 280 milhões, sendo que cerca de € 60 milhões foram destinados à aquisição de terras e realocação de moradores. O sistema em Veessen-Wapenveld não protege apenas o local, mas também cidades situadas ao longo do curso do rio.

Bruin explica que o Room for the River possui cerca de 12 soluções para as inundações:

— Às vezes, bypass (desvios) são boas soluções, às vezes realocações e diques são boas respostas, ou a combinação delas.

Em Nijmegen, outra cidade visitada pela comitiva gaúcha, foi observado um projeto de € 350 milhões de recuo de um dique, que envolveu a realocação de 50 residências. A representante do Programa de Proteção de Águas Altas da Agência Governamental Rijkswaterstaat, Josan Tielen, também admite que esse empreendimento gerou alguma contrariedade por parte dos residentes. Ela explica:

— Estamos avaliando a possibilidade de implementar o programa Room for the River 2.0, que também abordaria temas como cuidados com a qualidade da água, navegabilidade, desenvolvimento econômico regional, entre outros.

O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, frisa que, se para os holandeses não foi fácil reassentar dezenas de famílias, o que dirá centenas?

— Em Porto Alegre, só no dique Sarandi, são 500 famílias — aponta.

A prefeitura da Capital pretende realizar a elevação dessa estrutura, que contorna a sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs).

Melo enfatiza que Holanda e Brasil têm realidades urbanas diferentes, sendo que, na América do Sul, lidam-se muito com situações de construções irregulares. Ele destaca:

— Uma coisa é querer reassentar uma família que morou em um bairro a vida inteira, que não pagou água ou luz e vive da reciclagem de lixo. Como vai realocar essa família sem tratar dessa questão?

De forma mais urgente, Melo comenta que 57 famílias precisam ser realocadas para que as obras no dique Sarandi continuem, com o prazo de negociação terminando no dia 28 de fevereiro. Ele afirma que não pode, como gestor da cidade, deixar de realizar o empreendimento e apela para que os moradores aceitem as negociações:

— O coletivo sempre tem que ser maior que o individual. E se vem outra chuva e aquele dique não está refeito?

O prefeito argumenta que já foi contratada a empresa para realizar o serviço e que, caso o tema se alongue, será necessária uma nova licitação. Caso necessário, ele afirma que tomará uma medida legal sobre o tema.

O governador Eduardo Leite e o prefeito Sebastião Melo conheceram dois projetos do programa Room for the River, que prevê áreas a serem alagadas quando o nível do rio aumenta.

Investimentos altíssimos para revisão de diques e estruturas de proteção na Holanda

Algo que foi percebido nas ações desenvolvidas na Holanda para a contenção de cheias é que essas medidas exigem altos investimentos. Somente na revisão e fortalecimento de cerca de 2 mil quilômetros de diques e outros complexos de defesa contra as cheias, o país europeu pode aportar algo próximo de € 32 bilhões nos próximos 25 anos.

O governador Eduardo Leite ressalta que, apenas em 34 iniciativas desenvolvidas dentro do Room for the River, já foram gastos cerca de € 2,3 bilhões.

Sobre a possibilidade de aplicar soluções observadas até agora no Rio Grande do Sul, Leite afirma que é algo que precisa ser discutido com especialistas e engenheiros. Ele considera:

— O que observamos é que muito do trabalho realizado na Holanda, a visão sistêmica de diversos rios e intervenções, parece se aplicar no nosso caso.

Leite acredita que, no Estado, deverá ocorrer uma combinação de diversas soluções, de acordo com a realidade de cada localidade. Ele também destaca que, nos Países Baixos, foi necessária uma articulação entre cidades, províncias, governo nacional e conselhos de gerenciamento das águas (water boards).

Atualmente, são 21 autoridades regionais de água distribuídas pela Holanda. Em 1850, eram cerca de 3,5 mil, mas a fragmentação dessas associações diminuía sua eficácia. As atuais instituições possuem um sistema próprio de poderes legais e taxas e contam com aproximadamente 11,5 mil funcionários. Como resultado do cuidado do país com a segurança, desde 1953, não há registro de óbitos causados por enchentes na nação.