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São Jerônimo, RS, 30/01/2025

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Sono na infância: como lidar com a dificuldade de dormir das crianças

Em geral, mudanças comportamentais bastam para ensinar os pequenos a dormir bem; mas diretrizes europeias liberam uso de melatonina em alguns casos, o que é questionado por especialistas

Agência Einstein / Reprodução
Sono na infância: como lidar com a dificuldade de dormir das crianças Por trás do sono inadequado podem estar fatores como tempo excessivo de tela, hábitos alimentares pouco saudáveis e obesidade
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Fernanda Bassette
Agência Einstein

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Distúrbios do sono são comuns em crianças e adolescentes e
representam um motivo frequente para consultas pediátricas. Embora um número
muito pequeno desses grupos sofra de algum problema específico do sono (como
apneia obstrutiva, síndrome das pernas inquietas ou narcolepsia), é cada vez
mais comum que o público dessa faixa etária tenha insônia. O termo engloba
dificuldade para adormecer, de manter-se dormindo ou ter despertares precoces,
que ocorrem apesar de um ambiente de sono adequado.

Para que um quadro seja caracterizado como transtorno
crônico de insônia, ele deve acontecer mais do que três vezes na semana e
durante um período superior a três meses. Sabe-se que que dormir de 30 a 60
minutos a menos por noite reduz significativamente a qualidade de vida
relacionada à saúde e, quando isso se torna um problema persistente, impacta o
funcionamento emocional, comportamental e cognitivo dos pequenos.

Por trás do sono inadequado podem estar fatores como tempo
excessivo de tela, hábitos alimentares pouco saudáveis e obesidade. Os efeitos
ainda se expandem para o funcionamento e bem-estar de toda a família.

No Brasil, não há dados oficiais sobre problemas de sono em
crianças. A Associação Brasileira do Sono (ABS) trabalha com dados europeus e
dos EUA que estimam que a prevalência da insônia pediátrica varia de 15% a 30%
em crianças pequenas (3 a 5 anos), de 11% a 15% na idade escolar (6 a 12 anos)
e de 20% a 30% em adolescentes. Essas porcentagens são consideradas alarmantes,
especialmente levando em conta as consequências do sono insuficiente nessas
faixas etárias.

Desafio para os pais

O manejo da insônia infantil é um desafio para pais e
especialistas em sono. Na maioria das vezes, o problema é exclusivamente
comportamental: os hábitos da criança e até da família influenciam. O
tratamento padrão-ouro nesses casos envolve a higiene do sono (que inclui
estabelecer rotina, ir para a cama mais cedo, apagar as luzes e evitar telas,
por exemplo) e, principalmente, mudanças comportamentais, que muitas vezes só
são alcançadas com ajuda da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).

— A maioria das insônias na infância tem um forte componente
comportamental. O primeiro passo é identificar esse comportamento problemático
e tratá-lo. E isso não envolve apenas criar uma rotina, é preciso mudar hábitos
— explica a neurologista pediátrica Leticia Soster, do Grupo Assistencial do
Sono do Hospital Israelita Albert Einstein.

Por exemplo: na hora de ir para a cama, a criança pode ter
um comportamento de adiar o sono pedindo aos pais um copo de água, para ir ao
banheiro ou ler um livro. — A criança faz isso como uma forma de resistir ao
sono. À medida que os pais vão atendendo esses pedidos, isso vai se tornando
uma rotina e a criança passa a estender cada vez mais a hora de dormir — alerta
Soster.

Segundo a neurologista, a base do tratamento da insônia é
justamente quebrar esse padrão de comportamento. E esse é o maior desafio, já
que grande parte dos pais não consegue entender que o problema é muito mais
complexo. — A maior dificuldade é mostrar que não é somente fazer a sequência
‘banho-naninha-cama’ que vai dar certo. Não basta ter um quarto em tons pastel
e achar que isso é o suficiente para um ambiente adequado ao sono — avisa a
neurologista.

Melatonina: sim ou não?

Especialistas da Europa atualizaram as diretrizes para os
cuidados da insônia em crianças saudáveis, sem nenhum problema neurológico ou
de desenvolvimento, em documento publicado recentemente no Jornal Europeu de
Pediatria. Eles reforçam a importância da higiene do sono, da mudança de
hábitos (inclusive com uso do diário do sono) e da terapia
cognitivo-comportamental como primeiras opções para auxiliar os pais nessa
tarefa de regular o sono dos filhos.

Nos casos em que nada disso funcionar, a diretriz sugere o
uso de melatonina em baixas dosagens, por tempo limitado, e com acompanhamento
médico. Esse é um hormônio endógeno, produzido pela glândula pineal do cérebro,
e cuja principal função é regular o ciclo circadiano, estimulando o sono ao
final do dia. Apesar de ser naturalmente produzida pelo organismo, é possível
obter a melatonina por meio de suplementação.

O documento reforça que os pais devem ser informados sobre
potenciais eventos adversos do uso de melatonina e da falta de dados de
segurança de longo prazo. A diretriz também aponta que o uso do suplemento não
deve substituir as boas práticas, incluindo a higiene do sono.

Contudo, apesar das ponderações no documento europeu, a
recomendação de melatonina chamou a atenção de especialistas, sobretudo por
tratar do manejo da insônia em crianças saudáveis. Na avaliação de Soster, a
proposta de usar melatonina como parte do tratamento da insônia em crianças é —
extremamente delicada — e pode passar a falsa impressão de ser um caminho
facilitador e aumentar o consumo indiscriminado da substância.

— Se estamos afirmando que, na maioria das vezes, a insônia
é causada por uma questão comportamental, por que prescrever um hormônio que
vai preparar o corpo metabolicamente para o sono, se é possível fazer isso
apagando as luzes à noite? Por que dar algo exógeno para uma criança que não
tem deficiência desse elemento, e ainda sem estudos de segurança a longo prazo?
— indaga a médica do Einstein.

Soster ressalta que indicar melatonina para crianças
saudáveis é diferente de recomendar o suplemento no caso daquelas com alguma
doença neurológica, que sabidamente têm mais dificuldade para adormecer
(inclusive afetando a produção e liberação da melatonina). Aí, sim, a
substância pode ser uma aliada no tratamento.

— O problema dessa diretriz é que ela pode passar a
impressão de que temos à mão uma opção mais simples – é só ir à farmácia,
comprar e dar o produto para a criança – e muito mais atrativa para os
cuidadores, que muitas vezes não estão dispostos a fazer toda essa revisão
comportamental com a criança. Não é a falta de melatonina que faz a criança não
dormir bem — observa.

Diretrizes brasileiras

Por aqui, o último consenso envolvendo o tratamento de
distúrbios do sono foi publicado em 2019, época em que a melatonina ainda não
estava liberada para uso no país. Foi somente em outubro de 2021 que a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a venda de melatonina como
suplemento, destinado exclusivamente às pessoas com mais de 19 anos e numa
dosagem diária máxima de 0,21 mg.

— Nós citamos a melatonina no consenso de 2019 porque a
utilizamos em algumas crianças em casos muito específicos. Mas é preciso ficar
bem claro que o ideal é não medicar a criança — frisa a neurologista pediátrica
Rosana Cardoso Alves, da ABS, coordenadora da parte infantil do consenso
brasileiro.

Segundo Alves, os pequenos devem conseguir dormir
espontaneamente. — A família precisa saber conseguir lidar com isso, e nós
temos medidas de higiene do sono adequadas para auxiliar nesse processo.

De acordo com a médica da ABS, a melatonina pode ser
recomendada como adjuvante do tratamento de crianças com algum transtorno de
desenvolvimento, como transtorno do espectro autista (TEA), ou alguma outra
alteração de neurodesenvolvimento que possa atrapalhar o descanso noturno.



















































— Nos casos em que já estamos em tratamento e vemos que a
família está exausta, a tentativa de dar melatonina para melhorar a
estabilidade do sono é válida. Mas, como qualquer medicação, ela pode ter
efeitos colaterais, por isso temos de monitorar muito de perto e, no caso de
crianças, usar doses bem baixas — ressalta Rosana Alves.

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