Saiba como sua alimentação pode interferir na sua noite de sono
Nova pesquisa destaca o papel da dieta no combate à insônia; confira quais alimentos são bem-vindos e o que deve ser evitado para favorecer uma noite tranquila
Regina Célia Pereira
Agência Einstein
Embora o elo entre nutrição e sono seja investigado em centros de pesquisa de diversos países, e certos alimentos sejam vistos como aliados nesse contexto, ainda há muito a ser elucidado. E mais um trabalho, publicado no periódico científico Nutrition Journal, chega com indícios da influência da alimentação para dormir melhor.
O artigo traz informações de quase 600 participantes de um grande estudo, o Bogalusa, que acompanha indivíduos de uma comunidade rural dos Estados Unidos com alta prevalência de males cardiovasculares, desde a década de 1970, e avalia o impacto do estilo de vida nesses distúrbios, entre outros fatores.
Por meio de questionários e avaliações sobre o sono e hábitos alimentares, os pesquisadores concluíram que o equilíbrio do cardápio, como maior espaço para frutas, hortaliças e grãos integrais, estava associado com uma menor probabilidade de insônia.
Para Gabriela Mieko, nutricionista do Espaço Einstein de Reabilitação e Esporte, do Hospital Israelita Albert Einstein, o estudo traz indícios que outras pesquisas já apontaram.
— Mas, por ser um estudo observacional, não dá para estabelecer uma relação de causa e efeito entre as variáveis e os desfechos — observa. Segundo a nutricionista, os achados abrem portas para que novas pesquisas sejam realizadas.
De acordo com a neurologista Letícia Soster, do Grupo Médico Assistencial do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein, uma das explicações por trás da conclusão do trabalho é que, geralmente, as pessoas que seguem uma dieta equilibrada tendem a ser mais regradas em outros aspectos do cotidiano.
— Além do que vai ao prato, é importante levar em conta a atividade física e o controle do estresse, por exemplo. A qualidade do sono não se define apenas pelas estratégias adotadas imediatamente antes de dormir, mas sim pelo conjunto de atitudes ao longo das 24 horas do dia — diz Soster.
Padrão mediterrâneo
A dieta mediterrânea é mencionada no artigo como padrão alimentar saudável. Ainda que sua maior virtude seja o cardápio, esse modelo vai além: engloba todo o estilo de vida, com destaque para a prática de exercícios ao ar livre e o zelo com o descanso.
— Considera aspectos socioculturais, ambientais, biodiversidade, sazonalidade, hábitos culinários tradicionais, uso de ingredientes locais e a comensalidade — enumera Mieko. Essa dieta também enaltece as interações e trocas sociais à mesa.
No prato, há espaço para opções de origem animal, caso de lácteos magros, ovos e pescados, mas se privilegia os vegetais. E nem é preciso buscar alimentos daquela região para usufruir dos benefícios. A sugestão é optar pela enorme variedade de frutos, hortaliças, inclusive as PANCS (Plantas Alimentícias Não Convencionais), grãos integrais e peixes brasileiros. As variedades nativas esbanjam substâncias protetoras.
— A dieta mediterrânea não difere muito do que preconiza o Guia Alimentar Para a População Brasileira, que acabou de completar 10 anos e preza por uma alimentação à base de alimentos in natura e minimamente processados — destaca Gabriela Mieko.
Além de fazer boas escolhas em todas as refeições, vale redobrar a atenção com a quantidade, especialmente no jantar. Quando dormimos, o metabolismo desacelera. Tudo fica mais devagar, desde os batimentos cardíacos até a respiração. O sistema digestório trabalha menos, há diminuição na produção de saliva e de sucos digestivos e os movimentos peristálticos ficam mais lentos.
— Ao comer demais, o organismo tenta se manter ativo para a digestão, o que dificulta o sono — explica a neurologista, que recomenda parcimônia e dar um tempo antes de se deitar.
— Em média, deve-se esperar duas horas — orienta Letícia Soster. No caso de quem tem refluxo gastroesofágico, o período pode ser ainda maior.
Alimentos aliados?
Diversos trabalhos apontam alimentos como o kiwi, o leite, a cereja-azeda, o salmão e os grãos integrais como aliados do sono, mas ainda há muito que se investigar. De modo geral, eles contêm substâncias que seriam precursoras de hormônios essenciais para dormir bem.
— Um dos mecanismos que vem sendo estudado teria relação com o sistema triptofano-serotonina-melatonina — conta a nutricionista. O triptofano é um aminoácido (molécula que compõe as proteínas) e participa da síntese da melatonina, que, por sua vez, é o hormônio regulador do ciclo sono-vigília.
— Ainda são muitos os questionamentos sobre a real contribuição desses componentes vindos da dieta — afirma a nutricionista. Mas os indícios são promissores.
Para a neurologista, criar algum tipo de ritual antes de dormir é interessante.
— Beber um copo de leite morno ou mesmo uma xícara de chá pode funcionar como uma demarcação, dentro da rotina, de que é hora de dormir — sugere Soster.
Os prejuízos dos excessos
Outra recomendação é não exagerar na quantidade de quaisquer líquidos, já que o excesso aumenta a chance de a bexiga precisar ser esvaziada durante a noite, o que leva ao despertar.
O consumo de bebidas alcoólicas merece ainda mais atenção. É que, apesar de o álcool promover o relaxamento, por atuar em certas funções cerebrais, ele também pode afrouxar estruturas da região da faringe, do palato mole e da úvula. A respiração acaba comprometida e o resultado costuma ser o ronco, que prejudica para valer as fases do sono.
Ainda sobre bebidas, sempre cabe mencionar as ricas em cafeína.
— Exceder no consumo, sobretudo aos mais sensíveis e no período da tarde, atrapalha — avisa a médica. A cafeína tem ação estimulante, interfere com neurotransmissores – mensageiros químicos responsáveis pela comunicação entre os neurônios – envolvidos com o aumento da disposição.
— A substância permanece no organismo por sete horas — afirma Mieko, que sugere fazer o cálculo considerando o horário de ir para a cama, e assim estabelecer um limite de tempo para a ingestão. E a cafeína não está presente só no café: bebidas como o chá-verde, certos energéticos, refrigerantes à base de cola, chimarrão e chá-mate também são exemplos.
Por fim, não custa reforçar que para dormir melhor é importante desligar a TV, o computador e manter o celular longe da cama. A luz desses aparelhos interfere na produção de melatonina.
Excelentes razões para zelar pelo sono não faltam. Quem dorme direito blinda o sistema imune, tem melhor rendimento cognitivo e disposição, e ainda há evidências de que noites maldormidas aumentam o risco de males cardiovasculares, Alzheimer, obesidade, entre outros distúrbios.
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