Beber café ao acordar faz mal? Sem comprovação, dúvida se espalha nas redes
A bebida tem sido associada com efeitos negativos ao equilíbrio do cortisol, o hormônio do estresse; saiba quanto é seguro consumir e os horários ideais
Regina Célia Pereira
Agência Einstein
Embora diversos estudos tragam evidências sobre os benefícios atrelados ao consumo moderado de café, vira-e-mexe ele está na berlinda, acusado de danos à saúde. Há quem tenha deixado de bebê-lo ao acordar porque, há alguns anos, se disseminou a ideia de que a cafeína afeta negativamente o processo natural que leva ao despertar, propiciando, inclusive, uma maior tolerância à substância.
De acordo com essa corrente, o hábito estimularia ainda mais a secreção de cortisol, hormônio que já apresenta níveis elevados no nosso corpo logo cedo. E o resultado seria um desequilíbrio nesse mecanismo. Será mesmo?
— Ainda que exista alguma correlação indireta entre a ingestão de cafeína e a produção de cortisol, não há evidências de impactos importantes ao organismo — afirma a endocrinologista Cláudia Schimidt, professora da pós-graduação do Hospital Israelita Albert Einstein.
Os possíveis efeitos da substância sobre o hormônio estariam ligados apenas a pessoas sensíveis e com a ingestão exagerada.
— Trata-se de um movimento conhecido como terrorismo nutricional — comenta Schimidt, lembrando que diversos alimentos são apontados como vilões da saúde.
Num contexto saudável, o café tem sido associado à proteção cardiovascular e contra o diabetes, sem contar os ganhos cognitivos. Também há indícios de que ajude a combater a depressão e distúrbios neurodegenerativos.
Já o exagero esse, sim, traz prejuízos.
— A cafeína, quando em demasia, pode causar taquicardia e, em alguns casos, arritmia, além de estar relacionada com a ansiedade — destaca a nutricionista Letícia Ramalho, doutora pelo Laboratório de Cronobiologia e Sono, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do Conselho de Nutrição da Associação Brasileira do Sono (ABSONO).
Inclusive, vale destacar o uso indiscriminado da suplementação de cafeína, que é cada vez mais comum, e pode desencadear todos esses distúrbios.
Ramalho observa que, mesmo com todos esses sintomas, ainda assim não dá para estabelecer associação direta entre a bebida e a produção de cortisol.
— Não se trata da mesma via de liberação — diz.
Benefícios hormonais
Embora o cortisol seja lembrado, sobretudo, como o hormônio do estresse, ele desempenha funções essenciais ao organismo.
— É liberado pela glândula suprarrenal, na corrente sanguínea, em resposta à ativação do sistema nervoso simpático, que é aquele acionado quando existe luta ou fuga — explica a nutricionista. Assim, interfere na irrigação sanguínea, na pressão arterial, preparando o corpo para “correr ou atacar”.
Mas também está envolvido com o sistema imunológico, ajudando a combater inflamações, e atua no metabolismo da glicose, por exemplo. E, por contribuir para manter o organismo em estado de alerta, a regulação desse hormônio segue o nosso relógio biológico.
— Sua produção começa a se elevar ainda na madrugada, atingindo o pico por volta das 8 horas da manhã e apresentando os menores níveis em torno das 11 horas da noite — explica a endocrinologista do Einstein.
Ao anoitecer, com menor incidência de luz, entra em cena outro hormônio, a melatonina, que favorece o adormecer. Essas flutuações hormonais costumam ser ditadas pelo ritmo circadiano.
— Não sofrem influência da alimentação, mas podem ser modificadas de acordo com os hábitos de sono, como nos trabalhadores noturnos — comenta Letícia Ramalho.
Café e sono
Ao contrário da polêmica relacionada ao consumo de café logo cedo, ninguém questiona que saborear a bebida perto da hora de ir para a cama pode resultar em insônia. Apesar de o café não se resumir à cafeína – a bebida concentra compostos protetores, além de vitaminas e sais minerais –, a substância é sempre a mais destacada.
Pela classificação, a cafeína é um alcaloide e, mesmo que apresente ação antioxidante e anti-inflamatória, seu papel mais estudado é o de estimulante do sistema nervoso central.
A explicação por trás dessa atuação é a de que a substância bloqueia o efeito da adenosina. A adenosina, por sua vez, é uma molécula definida como neuromodulador, que reduz descargas nervosas, tornando mais lenta a liberação de neurotransmissores – os mensageiros químicos responsáveis pela comunicação entre os neurônios.
Em resumo, com a chegada da cafeína, as sensações de cansaço e a sonolência são suprimidas, dando lugar à disposição e agitação. Daí a dica de evitá-la à noite ou mesmo durante a tarde. Os últimos achados da literatura científica recomendam consumir café, no máximo, entre sete e nove horas antes de ir dormir.
— Em geral, o limite para a última xícara seria por volta das 15 horas — orienta a nutricionista.
Tudo vai depender, claro, da rotina de cada um. Quanto à quantidade de cafezinhos, algumas diretrizes sugerem três ou até quatro xícaras diárias para um adulto saudável. Indica-se ainda não ultrapassar a marca de 400 mg de cafeína por dia. Em média, uma xícara (150 ml) de café coado costuma apresentar 100 ml da substância. O tipo expresso concentra a maior quantidade, numa xícara (75 ml) há cerca de 150 mg.
Não custa reforçar que, sem excessos, o café pode ser um grande aliado da saúde.
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