ARTIGO | O professor em sala de aula está com os dias contados
A ilusão de que a Educação está em todos os lugares contribui com a extinção gradativa do professor enquanto mediador de ideias e, também, eleva o pensamento que a Pedagogia pode ser substituída por recursos e tecnologias de Inteligência Artificial
Jorge Júnior Dihl dos Santos*
Enquanto, no Brasil, muitas instituições demonstram pouca experiência e vasto interesse em atuar com inteligência artificial em sala de aula, a base social está muito distante de sentar à mesa para um debate desse nível. Esse distanciamento afasta ainda mais profissionais em formação e profissionais que já atuam no serviço público em relação aos que estão no universo privado do ensino básico. A atuação docente requer inúmeros recursos, como conhecimento sobre determinado conteúdo ou área, ambiente adequado, valorização profissional, entre outros. Com isso, a qualidade do ensino ofertado não pode ser dissociada do investimento financeiro realizado.
O profissional que está há mais tempo em sala de aula tende a ter concluído sua formação inicial em um momento sem tanta tecnologia disponível e sem constantes atualizações, o que pode ter auxiliado no processo de retenção de determinado saber por não haver uma espécie de pulverização de informações. No entanto, sua busca por qualificação precisa ser constante, pois os meios e a sociedade em que vivemos sugerem a necessidade de um profissional conectado às tendências, para poder não apenas dialogar no mesmo nível, mas também compreender modos de se inserir no universo dos estudantes e, assim, trazê-los a diferentes níveis de compreensão do que se estuda.
Com isso, o estudante não perde seu protagonismo e o professor não deixa de cumprir o seu ofício, que é apresentar ao corpo discente níveis de complexidade e compreensões acerca de diversos temas para que estes possam gradativamente avançar e construir suas percepções sobre o que foi estudado. A formação integral pressupõe avanços em diversos níveis, bem como em diferentes áreas de conhecimento, o que requer o uso de tecnologias e recursos que auxiliem no bom andamento do trabalho e no desenvolvimento das habilidades que os estudantes expressam.
Para tanto, o corpo docente e a gestão escolar precisam também integrar seu processo de formação contínua, o que não é nada fácil, sobretudo no ensino público. Gestores que não investem em formação, em equipamentos de qualidade, em acessibilidade, em processos tecnológicos e em valorização real dos profissionais tendem a aumentar ainda mais a discrepância entre o que se diz público e o que se mantém privado.
Estudos apontam que o período pós-pandemia trouxe uma defasagem de até quatro anos no processo de aprendizagem de jovens e adultos, mostrando que “jovens apresentaram uma defasagem escolar média de 4,5 anos em matemática, 3,3 anos em leitura e 4,2 anos em redação”, enquanto “adultos apresentaram o maior índice de defasagem escolar versus série, com 5,3 anos de atraso em matemática, seguido de 4,5 anos em leitura e 4,2 anos em redação”, conforme estudo do Alicerce Educação de 2021.
Portanto, a retomada do ensino presencial, que trouxe professores e estudantes com agravos em situações psicossociais, também mostrou que não houve políticas públicas para atender de modo assertivo as necessidades apresentadas por cada grupo de estudantes. Ou seja, todos que retornaram do distanciamento social foram nivelados de forma igualitária, como se todos tivessem mantido seus estudos sem qualquer desigualdade. Isso, por si só, agrava ainda mais o índice de defasagem no processo de ensino. Recordemos o que disse o filósofo francês Alain (Émile-Auguste Chartier), em 1932: “A cultura comum faz florescer as diferenças”. Igualdade sem equidade apresenta uma falsa sensação de inclusão, o que pode contribuir para o aumento da evasão escolar e diminuir as possibilidades de aprendizagem.
Desse modo, governantes, gestores e professores precisam estar atentos para que a educação seja, mais do que nunca, um instrumento de convergência de diferentes saberes e modos de vida, e a escola, um lugar onde as diferenças sejam habilidades específicas em busca da construção de uma compreensão real sobre a sociedade que temos e a que queremos construir. A ilusão de que a educação está em todos os lugares contribui para a extinção gradativa do professor como mediador de ideias e também eleva o pensamento de que a pedagogia pode ser substituída por recursos e tecnologias de inteligência artificial.
Ao mesmo tempo em que a reformulação na formação docente, visando à redução de carga horária à distância, apresenta uma esperança na qualidade da formação de professores, há um anseio complementar de que a IA possa absorver demandas do cotidiano dos profissionais da educação. A lição que se pode tirar, neste momento, é que não se deve banalizar o discurso de que “não há educação sem professor”, pois, em um país extremamente desigual como o Brasil, quem decidirá o papel do professor no processo educacional será quem domina o mercado.
Cabe, portanto, aos profissionais “estarem vigilantes” às tendências e seguirem em constante formação, agregando pessoas, conhecimento e experiências ao currículo. O professor em sala de aula está com os dias contados porque um calendário precisa ser cumprido. E é preciso lutar para que ele seja plenamente concluído, com êxito, com aprendizagem, com o desejo de que os estudantes, bem como a comunidade escolar, valorizem o papel do formador. Somente assim a desigualdade apresentada será reduzida e os profissionais valorizados.
(*) Pedagogo; Especialista em Educação e Contemporaneidade
____________
Os artigos assinados publicados neste portal são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião do Portal de Notícias. Nosso compromisso é com a pluralidade de ideias e o respeito à liberdade de expressão.
COMENTÁRIOS