Após enchentes, 40% das pessoas ainda tem ansiedade e depressão, aponta pesquisa
Estudo monitora problemas de saúde mental provocados pelas enchentes de maio no Rio Grande do Sul
Uma pesquisa realizada pela professora Simone Hauck, do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Pós-Graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS, revelou que, após os efeitos das enchentes de maio de 2024, 40% das pessoas ainda apresentam sintomas de ansiedade, depressão e transtorno pós-traumático (TEPT), mais de 60 dias após o desastre. Embora a pesquisa mostre uma diminuição dos sintomas ao longo do tempo, o estudo aponta que os efeitos psicológicos das cheias ainda são significativos.
A pesquisa, que acompanha a saúde mental da população afetada pelas enchentes, foi realizada com base em 3.882 questionários respondidos online entre 8 de julho e a data atual. O levantamento começou logo após as enchentes, em maio, e tem como objetivo acompanhar a evolução dos problemas de saúde mental ao longo do tempo.
Sintomas de ansiedade e depressão
O estudo constatou que os casos de ansiedade e depressão, que haviam aumentado logo após as enchentes, continuam presentes, embora em menor intensidade. Até 30 dias após o desastre, os sintomas de ansiedade atingiram 46% dos entrevistados e os de depressão, 43%. Esses números caíram para 40% e 41%, respectivamente, 60 dias depois.
Sintomas de ansiedade (3665 respostas):
- Até 30 dias: 46%
- 30 a 59 dias: 52%
- Mais de 60 dias: 40%
Sintomas de depressão (3745 respostas):
- Até 30 dias: 43%
- 30 a 59 dias: 52%
- Mais de 60 dias: 41%
Simone Hauck observa que, apesar da diminuição, o número de pessoas que ainda apresentam esses sintomas continua elevado, indicando que a recuperação emocional dos atingidos pelas enchentes é um processo demorado.
Transtorno Pós-Traumático (TEPT)
O transtorno pós-traumático (TEPT) é um dos efeitos psicológicos mais comuns após situações de desastre, mas também o mais subdiagnosticado. De acordo com a pesquisa, os sintomas de TEPT diminuíram de 43% para 31% entre os 30 a 59 dias e os mais de 60 dias após a catástrofe, uma queda de 40%. Entretanto, a autora destaca que a "evitação", um dos sintomas típicos do TEPT, permaneceu em níveis altos, o que pode prejudicar a recuperação completa dos afetados.
Sintomas de TEPT (2330 respostas):
30 a 59 dias:
- Evitação: 16,3%
- Desrealização: 36,1%
- Revivência: 18,8%
- Cognição/humor: 14,7%
- Hiperexcitabilidade: 17,3%
Mais de 60 dias:
- Evitação: 15,7%
- Desrealização: 47,8%
- Revivência: 15,7%
- Cognição/humor: 12,5%
- Hiperexcitabilidade: 14,4%
Fatores de risco para o TEPT
A pesquisa também identificou os principais fatores de risco para o desenvolvimento de TEPT. O fator mais relevante foi a percepção de que a pessoa necessitou de apoio psicológico, mas não foi atendida. Além disso, a exposição direta à tragédia e a situação econômica também influenciaram o aparecimento de sintomas, sendo que pessoas com renda mensal de até R$ 3.000 correm mais risco de desenvolver o transtorno.
Estratégias de enfrentamento
Simone Hauck ressalta que a resposta das pessoas ao desastre é comum, e a chave para a recuperação está no enfrentamento das dificuldades, o que pode ser facilitado pela presença de uma rede de apoio sólida. Ela afirma que, em situações como essas, a resiliência comunitária e a informação sobre como lidar com os sintomas são fundamentais para reduzir os impactos negativos na saúde mental.
"Quanto mais cedo as pessoas enfrentarem os sintomas, maior a chance de se restabelecerem", destaca a pesquisadora. Ela alerta, contudo, que, após um ano do início dos sintomas, a recuperação se torna mais difícil.
A pesquisa ainda está em andamento e seguirá acompanhando os impactos das enchentes sobre a saúde mental da população gaúcha, com a expectativa de que os dados ajudem a orientar futuras ações de apoio psicológico e social.
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