OPINIÃO | Jovens precisam voltar a ler para opinarem com bom senso
No ativismo das redes sociais, há necessidade de se emitir opinião sobre tudo. Mas o potencial de discussão sadia pode ser minado quando quem opina simplesmente não leu, não se informou sobre o que está criticando
Vinícius de Andrade*
Atuo há cerca de três anos como colunista e para mim já está claro como a água: muitas pessoas leem apenas as manchetes e não os textos na íntegra.
Os mais ingênuos e otimistas diriam que é apenas por falta de tempo, mas, curiosamente, aqueles que não leem encontram tempo o bastante para deixar seus comentários.
Já li frases com os mais terríveis absurdos e em alguns notei claramente um tom de maldade. Não me entristece a divergência de opiniões, pois é algo natural e que pode enriquecer muito as discussões propostas. Me entristece quando as pessoas simplesmente emitem afirmações sobre minha realidade, bagagem, experiência e intenções que simplesmente não estão coesas com a realidade.
Li uma vez um comentário que dizia: "Colunista da Faria Lima”. A intenção da pessoa era dizer que eu não sabia sobre a realidade que eu estava escrevendo. Mal ele sabia que sou nascido e criado no bairro com mais favelas da minha cidade. O comentário dele, intencional ou não, foi desrespeitoso com toda a minha trajetória.
Bom, contexto inicial a parte, já digo: esta coluna não tem como foco expor os absurdos que já li ou falar sobre o quanto isso já me magoou. Até porque, honestamente, esse sentimento de tristeza é rapidamente substituído por outros: decepção, frustração e desapontamento.
Potencial de discussão perdido
Vou explicar a razão: a cada coluna escrita, seja ela por mim ou por um autor colaborador, há um real esforço em ser fiel com a realidade da educação brasileira, em trazer assuntos pertinentes para a discussão e, sobretudo, em ampliar as vozes dos mais diversos agentes. Já tivemos textos escritos por professores, por estudantes, por universitários e pelos mais diversos personagens da educação brasileira.
Acho uma grande pena quanto todo o potencial de discussão sadia, de reflexão, de mudança de cada texto é minado simplesmente por ele não ter sido lido. Chega a ser um desperdício, e é uma grande pena.
É muito frustrante quando a coluna é publicada, e leio comentários de pessoas que claramente não leram o texto. É mais frustrante ainda o tom de certeza que pauta os comentários, e tudo fica ainda mais frustrante quando esses comentários abrem o precedente para outros. Logo em seguida, rápido o bastante, torna-se uma coluna repleta de opiniões de pessoas que nem a leram.
Não é difícil de entender. Coloco a culpa em dois fatores e são até mesmo culturais, muito maiores do que um indivíduo apenas.
O primeiro deles é um fato: as pessoas estão parando de ler. Estou à frente de uma ação social de educação há anos, e isso me possibilita ter contatos com jovens e universitários de todo o país. Noto, diante de meus olhos, a perda de atenção das pessoas em uma velocidade assustadora.
Falta de atenção entre alunos
Sempre foi comum uma certa falta de atenção entre os alunos. Hoje, está absurdamente difícil conseguir a atenção e a compreensão deles para os mais simples direcionamentos e comunicados. Além disso, de uns dois anos para cá, noto que essa falta de atenção também atingiu os nossos voluntários. Estes, já universitários e das melhores instituições do país.
Imagino o quanto é difícil para os professores que atuam em salas de aula. Conseguir a atenção dos estudantes já é um grande desafio. Conseguir a compreensão se tornou uma das mais difíceis tarefas.
O outro fator tem relação direta com as redes sociais e é impulsionado pelo primeiro. As redes sociais nos possibilitam ter contato com as mais diversas pautas e assuntos. Alinhado a isso, há em nós um certo senso de militância. Com as redes, podemos militar pelos negros, pela educação, pelo meio ambiente, pela causa LGBTQIA*, pela natureza, pela saúde. Isso tudo em apenas uma manhã. Eficiente, né? É incrível o senso de ativismo. Há uma necessidade de se opinar sobre absolutamente tudo.
Embora eu ache legal as pessoas se importarem com assuntos como os que descrevi, algo me preocupa: são assuntos muito complexos, com muitas camadas e em que eu, embora possa estar munido de boas intenções, posso atrapalhar mais do que ajudar ao comentar sobre temas que não tenho nenhuma expertise.
Agora acrescente nesse cenário a falta de leitura da população. O resultado: comentam sobre absolutamente tudo, com um tom de certeza invejável e sobre assuntos sobre o qual não têm a menor ideia. Ainda pior: fazem isso, quase sempre, apenas com as informações das legendas.
Juízes da internet
Sinto pelos meus colegas jornalistas e colunistas. Sei, sobretudo agora, o quanto colocamos energia em fazer um bom trabalho e o quanto dói ver o potencial de nosso material minado, simplesmente por não ter sido lido. Sei também o quanto dói quando nos julgam enquanto pessoas físicas ou as nossas intenções.
A solução? Me perdoem o pessimismo, mas grande parte das pessoas que atuam assim, os juízes da internet, eu acredito fortemente que não irão mudar. Não todos, é claro, mas sinto que eles sempre existirão.
Penso que a solução esteja na nossa juventude. É urgente e necessário que a construção do senso crítico seja uma prioridade. Alinhado a isso, nossos jovens precisam voltar a ler. Antes que me julguem: sei que não é fácil. É uma missão hercúlea e que deverá envolver as escolas, o governo, o apoio das gigantes empresas por trás das redes sociais e da população em si.
Não é fácil, mas precisa ser feito. Como mudaremos o mundo em um contexto em que nem entendemos os problemas e o que precisa ser mudado?
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(*) Artigo publicado originalmente no site www.dw.com na coluna quinzenal “Vozes da Educação” escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
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