Seja bem-vindo
São Jerônimo, RS,14/03/2025

  • A +
  • A -
Publicidade

João Adolfo Guerreiro

JOÃO ADOLFO GUERREIRO | Bendito e suas parentes

E bendito é o fruto do vosso ventre

Arquivo Pessoal
JOÃO ADOLFO GUERREIRO | Bendito e suas parentes

João Adolfo Guerreiro

Benedito nasceu no início dos anos 1970 e, já por aquela época, esse nome era démodé. Entretanto, era o do avô e seu pai fez questão dele. E, nesse caso, o nome se mostraria profético para o homem.

Benedito era a única criança do sexo masculino das oito dos Souza. Eram ele, sua irmã e mais seis primas, criados juntos pela família unida. Orgulho do seu pai, eis que "um Souza macho", tirava sarro dos concunhados "que só sabiam fazer meninas", pois possuíam "o leite fraco". E assim passou Benedito sua infância, entre sua mãe, suas tias, sua irmã, suas primas e duas tias-avós. Era esse o seu mundo, essas eram as suas, essa era a família primeira e primordial. E assim foi criado Benedito que, dentre os familiares, ganhou um apelido que se referia a sua condição.

Bendito Fruto. Sim, Benedito era o "bendito fruto entre as mulheres", como diziam, baseando-se na oração da Ave Maria. Todo mundo ria e observava: "Esse menino é o bendito fruto entre as mulheres". Com o tempo, o chamavam apenas de Bendito, e todos achavam isso muito engraçado. Obviamente que, por essa circunstância familiar, Bendito criado entre as mulheres, brincando de bonecas e de casinha com as meninas, acabou se tornando um homem feminino, absorvendo muito do comportamento e trejeitos das pessoas com as quais majoritariamente convivia.

E o problema iniciou quando o pai se deu conta de que o seu Souza macho tinha um jeitinho diferente, em muito parecido com o das priminhas. Já o gatilho que disparou o forrobodó na casa dos Souza foi o pai ver Bendito maquiado e vestido como mulher, de brincos, saltos e baton, numa brincadeira com as primas. Foi como ver o demo possuindo o corpo do filho, necessitando de um exorcismo. A casa de madeira tremeu naquele dia, pra surpresa de Bendito, que não sabia o que era bichinha ou "ter a carne fraca". Pro guri era apenas mais um dia de brincadeiras inocentes com as primas e a mana. A ira de seu pai vinha de algum lugar totalmente incompreensível e ignorado para ele.

O tempo passou, a carroça andou e as melancias se ajeitaram, tendo Benedito casado e se tornado policial, décadas depois. Todavia, nunca perdeu o jeito estabelecido na infância, o que o levou a, sempre que possível, evitar a convivência em ambientes masculinos, por um lado pra evitar mal entendidos - principalmente na juventude - e, por outro, por ter desenvolvido uma óbvia preferência por ambientes femininos, onde podia ser ele mesmo sem ressalvas, gracinhas, preconceitos ou incompreensões. Os pais e os tios foram partindo deste mundo, um a um. Restaram Benedito, sua esposa, suas filhas, sua irmã e suas primas.

As primas resolveram fazer um grupo da família Souza, mas com um detalhe que, por demais, incomodou Bendito: só as mulheres participavam do grupo no WhatsApp "Das Souza" e compareciam às reuniões. Filhas, noras, sobrinhas e agregadas eram admitidas no grupo, menos o Benedito que, assim, a fórceps, deixava de ser o Bendito Fruto. "Como assim, eu sou Souza, ora bolas" - matutava. "Tenho o sobrenome e o sangue!" Tudo o que identificava Benedito neste mundo estava intrinsecamente ligado ao Bendito. Eram as suas, a família primordial, ainda mais agora que os pais e os tidos faleceram, deixando-lhe totalmente órfão de referências.

Protestou veementemente na primeira oportunidade que teve, pelo direito de ser incluído e de existir. "Como assim, sou um de vocês, ora! Sou o Bendito fruto, não me neguem minha história e natureza". Levou. Nunca mais as Souza se reuniram sem ele, o Bendito Fruto. Voltou a fazer parte do que lhe era e sempre será primordial.




COMENTÁRIOS

LEIA TAMBÉM

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.