João Adolfo Guerreiro
JOÃO ADOLFO GUERREIRO | Tudo é rio... Jacuí!
Quero-Quero e Figueira, os cabarés da antiga Charqueadas
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João Adolfo Guerreiro
Li neste findi Tudo é Rio, da mineira Carla Madeira, por indicação do Clube do Livro de Charqueadas. Até sua página 63, o livro é muito explícito, demasiadamente explícito - sem necessidade, no meu ponto de vista - ao abordar a vida num prostíbulo de uma cidade pequena qualquer de um tempo qualquer, sem telefone nem TV, o que me leva a pensar que se trata dos anos 1950 ou 60 no Brasil.
Achei tudo muito "idealizado" até ali e só não o abandonei porque era para o Clube, mas até que o livro melhora bastante dali por diante, embora eu não recomende a leitura (se o fizerem, é por conta de vocês). Não é um livro ruim, longe disso, possui momentos muito bons, mas essa caracterização do puteiro achei muito irrealista mesmo - de novela global -, e gratuitas e grotescas as descrições sexuais: superestima a protagonista Lucy e subestima a cafetina, suas colegas de trabalho e a clientela. Só lendo o livro pra perceber. E porque digo isso? É neste ponto que esta crônica inicia, pois lendo lembrei sobre os cabarés da antiga Charqueadas...
Cabarés é como se chamavam os prostíbulos por aqui, nos anos 1970 e 80. Sei de dois: o Quero-Quero, perto da Câmara de Vereadores, e o Figueira, lá no fim da cidade, indo pra "São Jéo". Naqueles tempos, os pais vez por outra levavam os filhos menores junto para o cabaré. Não ouvi falar disso, sei disso. Morava na Colônia e, portanto, antes dos dez anos, lá por meados dos anos 1970, fui no Quero-Quero de arrasto com meu pai, recomendado pra não caguetar nada em casa, pra mãe. Óbvio que não fui lá pra transar, na verdade nem meu pai ia: "Mulher tenho em casa, aqui venho só pra me divertir" - dizia.
Ele e muitos casados assim faziam, os brigadianos da Colônia e os mineiros e metalúrgicos de Charqueadas, pra gastar o seu dinheiro com bebida e dança enquanto outros, claro, iam pra sexo, principalmente os solteiros jovens. "Mas que saúde, hein?" - disse o pai pra uma mulher assim que chegou. Ela olhou pra nós e sorriu. "Trouxe o meu guri, hoje. Guerreiro macho!" - atalhou ele. Na época, achei que ele a tinha elogiado por estar bem, saudável, hoje sei que a chamou de gostosa. Ali, valia. Imagina olhar pra uma mulher e a chamar de gostosa fora dali, na vida social? Nem pensar, seria uma baita falta de respeito e motivo de briga séria, até de morte. E era justamente disso que alguns gostavam, da "liberdade" do ambiente na relação entre os sexos opostos, o que era interditado na sociedade. Não que os homens casados não tivessem intimidade em casa e a fossem buscar ali, o que eles curtiam era a festa, o ambiente libertino.
Tempos depois, mais de dez anos depois, estávamos, em 1989, na campanha política presidencial e os militantes, após muito colarem cartaz em poste com grude, resolveram ir no Figueira no meio da madrugada. Fui meio contrariado, mais na curiosidade e camaradagem, mas fui. Sentamos lá, começamos a tomar cerveja, caríssima, como sempre, e eu na minha, só olhando muitos cidadãos "respeitáveis" que tavam circulando por lá. Deixei claro pros amigos que só tinha ido acompanhá-los. Virei o "bichinha" da noite, chacota, era o mais novo do pessoal. O mais velho informou que só queria beber e dançar, mas com ele ninguém troçou e sua atitude limpou a minha barra. Disse-me: "Adolfinho, venho aqui seguido e não como ninguém, eu gosto é do fervo, de dançar com a mulherada, passar a mão, falar besteira. Quando era solteiro vinha transar, agora é só pela diversão". Fiquei a noite toda ao lado dele. Lembrou o meu pai, muito legal o D. Os outros não, foram pegar mulher mesmo e voltaram contando detalhes nojentos dos seus "feitos". Mais ou menos o que Madeira faz em seu livro. O que pode ser pior do que gente que fala do que fez na cama? Pouca coisa neste mundo. Sempre achei isso o ó do borogodó.
Voltando pra vez do Quero-quero, pra mim aquilo era como um outro lugar qualquer que o pai me levava, cheio de caras e mulheres dançando do salão e bebendo sentados às mesas. O pai, claro, explicou-me exatamente o que acontecia ali, de uma maneira que um guri da minha idade, ainda na fase Cegonha-Papai Noel-Coelhinho da Páscoa, pudesse entender. Naquele começo de noite vez virei o "fofinho", as mulheres me bajulavam, elogiavam e davam beijinhos. Gostei de ter ido, não ficamos muito tempo por lá, pelo que lembro. Suponho que o pai queria começar minha iniciação para a vida, tirar-me um pouco da convivência com a mãe, a tia, a irmã e as primas. Temia que eu ficasse "afrescalhado", via-me brincando de bonecas com elas, na verdade - disse-me tempos depois.
"Tudo é rio", a partir das experiências aqui pela margem direita do Jacuí daquele tempo, era mui diferente do que o livro mostra. Como disse Hemingway, escrever uma frase verdadeira é tudo, mesmo que se leve uma manhã inteira para conseguir. Não sei das intenções de Carla, nem cabe a mim dizer o que ela deveria fazer em seu livro, que fez sucesso, por sinal, mas nesse ponto penso como Ernest: deve-se conhecer bem sobre o que se escreve, ser conciso e preciso, evitando adjetivos.
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